A novela de um vilão só

Eu fiquei alguns dias pensando em como começar esse texto, esse relato. Na verdade passei por dias conturbados, colhendo informações aqui e ali para ver se o diagnóstico psiquiátrico que fiz, estaria correto. Descobri que tinha um “psicopata morando ao lado”, parodiando o livro de Ana Beatriz Barbosa Silva. Já faziam cinco anos que eu o conhecia, era daqueles amigos extremamente persuasivos, eloquentes, convincentes e  insuspeitos. Era também meu colega de faculdade, só que nunca se portou como tal. Vivia viajando ao exterior “a convite” de universidades estrangeiras para fazer cursos, de custo altíssimo, que na maioria das vezes eu só via professores ou profissionais já com suas especialidades a terem acesso. Era uma coisa impressionante ver o quanto ele gastava, como se a grana dele tivesse vindo de alguma fortuna familiar. É claro que se isso fosse certo, ele não teria ido estudar na Argentina. Quando na época de estudos, onde todo mundo andava tentando economizar, ele trocava de carro todo ano, inventava presentes caríssimos para as namoradas, que sempre era alguma menina muito bonita e meiga, que ele espalhava para o mundo inteiro que ele mesmo a sustentava.
Na faculdade era odiado. Quando nossos colegas o viam, diziam: “Lá vem o doutor!”. Como ele conseguia persuadir um e outro, como eu, alguns poucos o defendiam dizendo que ele era uma pessoa diferente, que era muito inteligente e por isso estava “um passo mais a frente” da gente, ou seja, que por isso, não tinha a menor paciência de demonstrar um pouco de humildade com matérias essenciais da faculdade. Na época em que o conheci, estávamos cursando Anatomia, e ele propôs ajudar-me com aulas particulares, como fazia já com outras pessoas. Percebi na primeira aula que era uma furada. Ele não queria ajudar. Ele queria se mostrar. Seu conhecimento dentro de um assunto era extremamente limitado, mas ele, com seu discurso projetado a demonstrar sua “genialidade”, de alguma forma conseguia fazer as pessoas pensarem que de fato, era um prodígio. Uma vez estudando Vias Cerebelosas (matéria estudada em Neuroanatomia), não sabia me dizer o “caminho correto das vias”. Ao invés disso, tentava explicar, com alto poder de convencimento, o fenômeno elétrico de informações cerebrais. Ele sabia que não era essa minha dúvida, mas como ele mesmo não havia estudado, achava que eu cairia nessa explicação. As classes foram ficando insuportáveis. Ele repetia a mesma coisa que o professor em aula, já que era dotado de uma memória impressionante, mas não explicava nada e depois de algumas aulas eu vi que não sairia do mesmo lugar, porque o tempo inteiro ele falava como esperando que a gente o admirasse por aquele “conhecimento” todo e não para realmente ajudar. Inclusive em algumas oportunidades, eu mesma cheguei a irritar-me pelo fato de ele usar de certa pressão psicológica, ao tratar os assuntos mais difíceis como uma banalidade, eu chegava a pensar que não tinha capacidade de entender. Como era uma pessoa de difícil convivência, resolvi afastar-me e lhe dirigir atenção somente em algum intervalo na faculdade, seguindo a pouca intuição que eu sentia ao ver que ele era muito ligado a problemas. Todas as vezes em que nos falávamos em uma conversa rápida entre uma aula e outra, eram aproveitados por ele para contar alguma vantagem que havia tido em sua vida, alguma coisa incrivelmente cara que havia comprado, alguma viagem extremamente deslumbrante que havia feito, alguma nota dificilmente conquistada por qualquer outro aluno (menos por ele!). Vivia vangloriando-se das amizades “maravilhosas” que tinha, que na maioria das vezes eram médicos especialistas, com cargos de chefia ou diretores de alguma clínica. E, depois de um tempo, as mesmas, já não lhe convinham mais, porque um belo dia ele “percebia” que na verdade as pessoas eram amigas dele por “interesse”. Apregoava aos sete ventos que todos se aproximavam dele para pedir dinheiro emprestado, e que nunca devolviam.
O tempo foi passando e todos os colegas e amigos de nossa convivência na faculdade passaram a desconfiar dele, muitos poucos, a maioria com o coração bom, ainda o defendiam de suas trapaças.
Sempre começava as amizades com as pessoas tocando-as emocionalmente com uma artimanha infalível: tocava nossos sentimentos. Começava sempre contando a mesma história melodramática de uma vida sofrida na infância pela separação de seus pais, comovia a gente com discursos familiares feitos e detalhes muito imaginativos que remedavam o mais perfeito enredo novelesco mexicano. Sempre tentando ocupar a posição  de vítima em uma vida regada a golpes e intrigas de todos os níveis, ele transformava verdades em meias-verdades, e mentiras em boatos muito convincentes.
Mas, como nas melhores novelas da vida real, aconteceu que um dia uma grande máscara rebuscada de bom menino, caiu nos pés de seu próprio vilão.
Puxando o fio sem-fim da dissimulação, eu e alguns amigos fomos descobrindo quem na verdade se escondia atrás daquela figura “prestativa e caridosa”. Primeiro, vieram as intrigas, os comentários da vida pessoal de cada um, deturpados por ele e jogados entre nossos amigos e conhecidos, sempre com o mesmo discurso inicial “vou te falar uma coisa de fulano, mas tem que ficar só entre nós”. Depois, o segundo discurso mais usado, “tal pessoa me pediu dinheiro emprestado, vive gastando com futilidades e depois eu tenho que sustentar”. E por último, o golpe. Anos e anos descobertos de golpes na praça, a pessoas as quais um dia ele chamou de amigos.
Confesso que a perda maior foi de tempo. O carinho dedicado, a consideração e a defesa que fazíamos dele frente a quem o abominava, a dor de saber que éramos mais uma fofoca maldosa para sua coleção, isso, vai curar, porque as pessoas boas sempre acham um motivo para levar sua vida adiante e aprender com os erros. Mas o tempo perdido com esse indivíduo, esse não volta mais.
Graças a Deus, um psicopata já nasce tendo o que merece: nunca saberá o valor enorme da amizade em sua vida. Não terá o prazer de um amor sincero. Restará a ele uma solidão vazia, compatível com o tempo das vivências que de nós roubou.

Luiza Versamore

" Amar ao próximo como a si mesmo: fazer para os outros o que quereríamos que os outros fizessem por nósé a mais completa expressão da caridade, porque resume todos os deveres para com o próximo. Não se pode ter guia mais seguro a esse respeito, que tomando por medida, do que se deve fazer para os outros, o que se deseja para si. Com qual direito se exigiria dos semelhantes mais de bons procedimentos, de indulgência, de benevolência e de devotamento do que se tem para com eles? A pratica dessas máximas tende a destruição do egoísmo; quando os homens as tomarem por normas de sua conduta e por base de suas instituicoes, compreenderão a verdadeira fraternidade e farão reinar, entre eles, a paz e a justiça; não haverá mais nem ódios nem dimensões, mas união, concórdia e benevolência mutua." O Evangelho Segundo o Espiritismo
*Vale a pena conferir esse blog! Nele existem todas as dicas de como reconhecer um psicopata:
http://psicopatasss.blogspot.com/2009/06/compreender-melhor-o-funcionamento-dos.html
Neste outro blog, o psicologo Leonardo Araujo recebe relatos importantes de leitores e da dicas valiosas sobre psicopatia:
http://www.psicologoemcuritiba.com.br/2009/04/psicopatia.html


Mais selinhos!

Oi pessoal! Esse selinho ganhei da Mari, do Blog que adoro: Pensamentos Complexos. Por sua vez foi mandado a ela pelo blog Tutorizar. O Tutorizar tem muita coisa mesmo pra quem, como eu, adora cuidar do "visu" do seu blog! Tudo la `e muito fofo! Agradeço a Mari pela gentileza de repassar o selinho! Por falar nisso, o meu selinho esta na sidebar aqui do blog, agradeço quem quiser postar e tambem estou postando todos os selinhos solicitados! Vamos divulgar o que `e bom!!! Grandes beijos a todos!
Luiza Versamore


Regras do selinho do Tutorizar:
1-Passar aos outros blogs
2-Responder essas perguntas:
Nome: Luiza Versamore
Idade: 28 anos
Melhor musica: Aonde ir- Vanessa da Mata
Melhor livro: O Envangelho Segundo o Espiritismo
Seu melhor passatempo: Escrever, conversar com amigos
O que acha do Tutorizar: Achei lindo, fofo e de grande utilidade!

Plantei amigos, colhi saudades...

Por incrível que pareça, a saudade vem. Morei na Argentina durante quase cinco anos. Era uma cidade do interior, na região nordeste. Clima fatigante, exaustivamente quente. Estudei   durante esse tempo, e, proporcionalmente ao que aprendi na universidade, foi meu aprendizado na vida. Um aprendizado muito intenso, dividido entre o desafio psicológico e o baque que é encontrar-se em um meio de confluência de todas as personalidades diferentes possíveis. Mas também um aprendizado valioso quando, (posso escrever isso com todo o sentimento de fraternidade possível), lá colhi algumas das melhores pessoas com quem convivi em minha vida. Na Universidade onde estudei, também estudavam, além de argentinos obviamente, muitos brasileiros. Conheci pessoas divertidas. Depressivas. Dramáticas. Buscadoras de objetivos. Perdidas. Encontradas. Cada um veio forjado de um lugar diferente.  Durante meus contatos com esse grande mundo amistoso, muitas vezes só fui perceber quem não era legal depois de muita indignação engolida ao tentar aceitar a realidade. Houveram várias pessoas que deixaram sua marca negativa quando passaram por mim, em alguma convivência infeliz. Mas, destes, não me faz falta falar. Assim, que vou deixá-los no mesmíssimo lugar de onde nunca sairão: na pasta de lições do passado.
A saudade, de mansinho chega, tão presente se faz ao lembrar dos momentos ao lado de pessoas que valeram a pena. Na verdade até as ruins valeram a pena, posto que com elas também aprendi que a face da maldade está a espreita. Se nossa vida é um aprendizado, valeu ter passado por todas essas vivências. Quando cheguei lá, estava com vinte e um anos, não conhecia ninguém e meu espanhol era “Hola, mi nombre es Luiza”. Com o tempo fiz amizades que sei, vão durar a vida inteira. Não fiz muitas, porque nunca fui de ter quantidades “sem-fim” de amigos. Eu fiz poucas. E as que mantenho até hoje, em franco contato, apesar da distância, são excelentes e admiráveis. Muitos conhecidos queridos. Mas, amigos, estes, é o coração quem escolhe, e não os horários da faculdade. Saudade, porque nas épocas difíceis dos estudos, eu tinha ao meu lado fiéis escudeiras. Na Argentina, ainda hoje, existe um sistema de aprendizagem muito rígido em algumas universidades. Existe um sistema de estudo intenso, onde o aluno é  frequentemente avaliado em todas as modalidades possíveis de provas, sejam teóricas, práticas e orais. Assim, a seleção vai acontecendo. Ao contrário do que acontece no Brasil, não há vestibular. A pessoa entra na faculdade depois de fazer três a seis meses de um “curso introdutório”. O processo seletivo vai acontecendo aos poucos, durante a faculdade, pois são poucos os que chegam ao final dela.
Mas eu havia falado que “colhi” amigos... a escolha foi assim. Amigos de verdade vêm sendo cultivados bem antes. Ainda não sei bem o que é que determinou o primeiro contato, talvez tenha sido sim os horários de aula, mas, e depois, pra continuar a amizade? Olhei atrás, nas vivências de cada um e busquei alguma razão. Foram talhados na família, não que tenham tido famílias perfeitas como as dos romances de novela, não, eu me refiro ao que eles puderam entender da novela de suas próprias vidas, sem isso de certinho, mas com um grande ponto de vista sobre os valores que deveriam respeitar. Até mesmo porque cabe a cada um avaliar o que viveu e tentar fazer ou não de outro jeito. Vi também que não era só o sonho da formatura. Os verdadeiros gostavam de sonhar junto. Se ajudavam, não só na faculdade, mas em tudo. Quantos relacionamentos começaram e acabaram sob a asa de uma amiga? Quantas notas ruins foram choradas e reclamadas e reestudadas com um amigo, noites adentro e um barril de  café pra animar? Quantas notas boas foram bebemoradas e bailadas com esses amigos? Quanta falta de grana, me-empresta-tua-blusa, te-pago-um-lanche, devolvo-mês-que-vem, divido-o-livro, no banco sem fins lucrativos da amizade? Quanta mão dando força antes de entrar pra falar com o professor cara a cara, aquelas mil páginas? O tempo passava assim, e a gente naquela pressa de aprovar, aprovar, aprovar, não se dava conta que já estava escrevendo uma história de saudade. Meus amigos foram cultivados muito antes de estarem ao meu lado. Eles souberam me enxergar no meio da multidão e vieram em busca de algo que também os agradou. Nós conseguimos, no meio daquele mar angustiante de tentar se entender, levar adiante as mesmas perspectivas, não esconder a dor de ser de cada um. Meus amigos verdadeiros foram leais antes e depois. Antes de virem e me encontrarem, porque necessitavam tanto quanto eu, serem assim. Não tentaram me agradar por algum interesse, porque eu não tinha mais nada do que bom-humor e um pouquinho (mas só um pouquinho) de introspecção, que era mais uma carinha fechada, antes de sentir mais confiança, do que antipatia.  Eles me confortaram nas minhas angústias e desesperanças e, se comentaram de mim para outros, foi para marcar alguma qualidade.
Por isso digo que são poucos. Afinal, coube a mim perceber quem entraria em minha vida para me ajudar a trilhar o caminho com bravura, e quem viria para tentar vendar meus olhos perante as pedras.
Meus amigos verdadeiros tiveram consciência, tolerância e persistência comigo, e tomara que eu também tenha podido ter para com eles. Não era coisa de momento. Cada um já tinha na bagagem um espírito forte e fraterno, e mesmo nos desentendimentos, as pazes puderam vir sem deixar cicatriz posterior, porque a intenção de cada um era segurar a barra, não se esquivar de estar ao lado.
Hoje, a saudade aqui, tão presente quanto a lembrança. A gente já sabia que um dia ia ser assim, que ela chegaria como uma já prometida amiga chega na estação do tempo. Chegaria trazendo aquele mesmo sentimento nos olhos que se encontravam no meio do tumulto de um saguão da faculdade, buscando uma notícia, um sorriso, uma explicação, um lugar no mundo, um lugar no outro.
Tenho poucos e bons amigos. Não importa o que a distância possa tentar separar. Junto a eles eu aprendi a ser melhor, e isso é estar perto também.

Tenho bons e poucos amigos.

E não preciso de mais nada.

“Aos queridos amigos que deixei, e que deixaram em mim uma inesquecível história.”

Luiza Versamore

Eu: estranha estrangeira


Viajei a Buenos Aires, fui atrás de uns documentos da antiga faculdade. A cidade, como sempre, maravilhosa. Cheguei em dia quente, ensolarado, trinta graus fora dos ambientes climatizados. Fiquei na casa de um casal de amigos queridos, brasileiros que são da mesma cidade que eu, no Rio Grande do Sul. Saindo do aeroporto, resolvi pegar um “transfer” que saía dali e parava na Estação do Retiro, um bairro movimentado da cidade; para então seguir com outro veículo, que me deixaria definitivamente no meu lugar de destino. Mas, nesse dia, não tive muita sorte na espera. Pelo menos, foi o que pensei. Pensei que esperaria no máximo cinco minutos na estação, para então conseguir entrar em uma das minivans que saem a cada momento daquele lugar. `Aquela altura da viagem já estava cansada, pois meu voo tinha atrasado, saindo uma hora depois do esperado. Chegando ao Retiro, percebi que as minivans que esperavam estacionadas, estavam já lotadas, e logo seguiram seu percurso. Tive então de esperar novamente. Sobrei ali, junto com outra menina. Sentei no extremo oposto do banco aonde ela estava esperando o mesmo que eu. Um funcionário do estabelecimento veio nos dizer que em “cinco minutinhos” (os mesmos que eu havia pensado), outra van chegaria e que nos levaria dali aos nossos destinos. Bem, eu pensei, cinco minutos não são nada quando se está logo abaixo do ar-condicionado. Então, comecei a olhar  em direção daquela menina sentada, buscando com que ela me olhasse também. Queria puxar assunto, afinal, pra que o tempo passasse mais depressa. A menina não olhava de volta, furtivamente um rabinho de olho despontava para o meu lado, mas era só isso. Comecei a ficar encucada. Mil pensamentos ridículos emanavam de mim, tipo: “que *portenha antipática!”, ou, “ será que não me olha porque ela é loira e eu sou morena?”, ou mais nada a ver ainda: “é mal amada, aposto todos os pesos argentinos que levo no bolso, que é bem mal amada.” Nessa onda de pensamentos ultrajantes à pobre moça, eu me levantava a todo momento, me movia em sua direção, voltava, perguntava a hora para o carinha dos “cinco minutinhos”, e a moça nada de me olhar.  Às vezes ela olhava, mas fingia logo que não me via... Pensei em abordá-la  com uma pergunta, tipo, “veio da onde?” Mas, nesse momento meus pensamentos malucos já me distanciavam de querer abrir conversação...
Passaram-se então, QUARENTA MINUTOS, até chegar nosso automóvel.
Foi então que a menina se adiantou e pulou fora do lugar de espera, alcançando logo uma das vans. Eu fui andando também, em passos calmos para não ‘correr o risco’ de ficar na mesma van que a 'miss simpatia', e assim não vi ela entrando...  e, adivinhem só ao lado de quem eu sentei? Ah, é claro, ‘a portenha antipática!’.  Me acomodei dentro da van, pensando, “viu, se você tivesse me dado bola a gente tava em altos papos, não teria sido tão chato esperar”. Então, o inesperado aconteceu! Ela me olhou e disse: “ We waiting for a long time, no?” Silencio. Que durou um milésimo de segundo, mas para mim foi eterno. Processei as palavras, me confundi porque até então só entendia inglês nos seriados da Warner Channel. Ok, pensei. Pensei em inglês e falei em um espanhol nervoso pra coitada da menina: “Si, nosotras esperamos muchísimo...” Ela me olhou com cara de quem era ela quem estava vendo uma ‘portenha’ louca na frente, sem entender um ‘a’ do que eu dizia. Olhos verdes arregalados, ela meio constrangida assentiu com a cabeça, um pouco sem graça por não entender. “Ah, Luiza, viu só, sua doida? Pensando mal da menina!”, pensei. Entraram então mais dois rapazes. Um sentou do meu outro lado, e o outro no banco do carona. O motorista pediu a cada um de nós, os respectivos endereços aonde nos devia levar. Só percebi realmente que minha companheira ao lado não tinha a mínima noção da língua local, quando tivemos de explicar para onde deveria o motorista nos levar. Ela olhava com aquela carinha de “save me, please!”. Depois de acertados os caminhos, todos seguimos em silêncio, totais estranhos no mundo constrangido e apertado da van.
Não andamos nem dois quarteirões e o trânsito  empacou. Buzinas. Muitas buzinas. Quando começaram as primeiras trezentas, as outras duzentas que vieram depois, ajudaram a formar um coro agudo. Então, um riso descontraído de menina cortou aquela cena ruidosa. Minha colega de espera rindo da bagunça ensurdecedora do trânsito terceiro-mundista! Todos começamos a rir, numa quebra-de-gelo em massa, eu falei alguma coisa sobre como aquilo era bizarro, já que os carros não andavam mais pela barulheira, alguns deram outros pitacos ininteligíveis naquele momento. Então me enchi de uma grande coragem e resolvi perguntar, no meu mais inventado inglês, de onde era a “colega”. Entre arranhões no inglês e risos das duas dentro de uma limitada compreensão, consegui entender que ela era canadense. Tinha voado doze horas, e estava um caco, mais caco do que eu, que também estava cansada aquela altura. Foi quando o rapaz que estava sentado no banco da frente disse que também era canadense e que provavelmente haviam vindo no mesmo voo. E foi quando o rapaz ao meu lado esquerdo disse que era chileno. Enfim, toda aquela gente, cansada, suada e morta de fome, estava na mesmíssima situação: encalhados dentro de um  trânsito infernal na capital argentina, tentando se entender.
Depois ainda descobri que a “colega”, (que por incrível que pareça, só o nome esqueci de perguntar, mas que não era um fato essencial), estava na cidade pra aprender a dançar tango, já que era bailarina la no Canadá, e o estilo da dança lhe chamara atenção.
Pensam que o “espanenglish” acabou? Não, o fato mais engraçado aconteceu dentro do automóvel depois de muitas risadas minhas e de minha nova best-friend-forever estrangeira, na tentativa de nos entendermos. Sucedeu que enquanto a gente tagarelava daquele modo pouco convencional (mulher consegue isso ate falando línguas diferentes), os moços presentes que falavam espanhol (o motorista e o chileno) escutavam atentamente ao rádio e algumas vezes davam boas gargalhadas. Cheguei uma hora a pensar que riam da gente, mas resolvi afinar meu ouvido e tentar ouvir melhor... Sabe de que estavam rindo? Não era da gente. O programa de rádio tinha uma ouvinte falando (em bom castelhano), de suas experiências sexuais dentro de uma orgia que haviam participado, ela, o marido, e, mais ‘alguens’. Sim, foi meio constrangedor. Nessa hora dei graças a Deus porque minha “BFF” não estava entendendo aquilo. Nem seu colega de voo.
Quando cheguei a casa de meus amigos, ao sair do táxi, ela me acenou e disse “ take care...”. Eu falei tchau. Fui pensando se não a havia assustado demasiadamente com minhas tentativas de aproximação na sala de espera. Fiquei lembrando do olhar fixo dela para a porta da estação, e, agora, eu já imaginava que somente o que ela queria naquele momento era escapulir dali a salvo de mim!
Foi assim que aprendi a grande torre de Babel do mundo. Não é só a língua. Nem os costumes. E um pouco da gente mesmo parar e se perguntar se existe algo mais, além daquilo que a gente vê. Se perguntar se na verdade, nossa sorte não está exatamente nesse momento que aconteceu, e o que podemos aprender dele.
A família, o lugar, os costumes, a nossa cultura. Até que ponto estamos tão distantes do outro? Até que ponto podemos chegar tão perto? Até que ponto somos tão diferentes e tão iguais na insegurança de ser?
Esperei, cansada. Mas valeu a pena.
*Portenha: nascida em Buenos Aires

Luiza Versamore
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