A depressão é a doença da
alma mais egoísta que existe. Uma pessoa em depressão não causa mal somente a
ela, torna-se um cruel algoz do bem-estar alheio e familiar. Mas o pior
transtorno ligado à depressão é o Distúrbio Distímico ou Distimia, entidade
dificilmente diagnosticada, e que quase sempre resulta da observação feita por
um familiar.
Resulta que este transtorno, por se
arrastar por mais de dez anos na grande maioria das vezes carente de
diagnóstico, acaba sendo aceito pelo próprio paciente como seu estado normal de
ser. Acaba-se tornando cotidiano, suportável, confundido com mau-humor crônico.
As pessoas ao redor até percebem que algo vai mal, mas como o distímico tende a
destratar quem pretende alertá-lo, ou achar irrelevante qualquer observação a
respeito, ninguém se atreve a tentar despertá-lo de seu estado “normal” de ser.
Trata-se de uma manifestação
mais lenta da depressão. O distímico vem durante anos cultivando aspectos
depressivos que são aparentemente mais leves, mas também mais duradouros se
comparados a um estado de Depressão Endógena, que é a depressão mais marcada,
aquela que se sente, por exemplo, em algum episódio de luto ou perda, quando o
sentimento de tristeza se estende por mais de dois meses após o infortúnio.
Inclusive as duas podem existir concomitantemente, em um quadro chamado
Depressão Dupla, mas sempre a Distimia segue persistindo, ou antecipa a
endógena. Assim, o indivíduo acaba resolvendo os episódios de depressão
isolados por algum problema ou stress, mas não consegue transpassar a distimia.
Por uma série de fatores as
duas modalidades depressivas passam a se confundir, mas não se pode esquecer
que as duas fazem parte de uma classificação chamada Distúrbios do Humor, e são
consideradas doenças depressivas, ou seja, as duas têm componentes depressivos
comuns. Distúrbios do Humor são perturbações na regulação do humor, do
comportamento e do afeto, segundo o DSM-IV*.
O distímico, ao contrário do
que se pode pensar, não é triste. Ele passa essa imagem constantemente, mas o
que realmente sente é um sentimento de vazio, indiferença e desinteresse
permanentes. Esse comportamento é alternado por poucos dias no mês em que sente
bem-estar consigo ou na presença de outras pessoas. Ele deixa claro que não se
importa em estar sozinho, e, com isso, afasta os demais, estendendo seu duro
humor por semanas, aparentemente sem sentir culpa.
Uma característica que chama
atenção no distímico é o pessimismo acentuado em relação às pessoas. Não quer
esforçar-se por ser querido, pelo contrário, acha que é uma perda de tempo dar
atenção, inclusive aos que ama. Não tem um pensamento definido quanto a isso e
pode até contra arrestar essa ideia, mas suas atitudes de impaciência e
irritabilidade facilmente o delatam. Experimenta a anedonia, que é a falta de
prazer nas atividades que antes lhe davam alegria. Alterações digestivas, do
apetite e do sono são comuns neste transtorno, com comprometimento da
concentração quase sempre prevalente.
Mas, você deve estar se
perguntando, se a pessoa sente-se “normal” com a distimia, porque não deixá-la
viver assim? Bem, foi assinalando o aspecto egoísta da doença que eu comecei
esse texto. O distímico simplesmente não se dá conta de que sua alma está
doente. Não se importa com isso, acha que não está afetando ninguém. Vê o mundo
que criou para si como uma forma de se proteger da dor, não percebendo que
injustamente seus entes queridos sofrem por ele.
Ajudar ao distímico é muito
mais complicado que ajudar ao depressivo endógeno. Isso porque simplesmente o
indivíduo distímico segue sua vida como se nada estivesse errado. Trabalha,
atravessa os dias emburrado, cumpre tarefas cotidianas sem nenhum prazer, mas
segue vivendo. O depressivo marcado não consegue desempenhar atividade alguma, pede
ajuda porque evidencia seus atos depressivos desesperadamente, se observa nele
uma mudança brusca de comportamento. Já o distímico permanece o mesmo de alguns
anos atrás, todos ao redor se acostumaram com seu jeito, alguns inclusive nunca
o perceberam diferente.
Mas, mais difícil do que essa
pessoa aceitar sua distimia é fazer com que ela queira MUDAR isso. Afinal quem
não faz questão alguma na vida de corresponder às necessidades de afeto dos que
o rodeiam, sempre sentindo que viver é cumprir obrigação de acordar e dormir, e
muito menos se sente agradecido por ter saúde e meios sociais básicos
disponíveis ao seu viver, terá uma grande barreira na visão de que ALGO ESTÁ
MAL. Passará mais anos de vazio e solidão, culpando os demais por não terem
tido valor suficiente de aguentarem seu descaso consigo mesmo.
O grande problema da
distimia é que ela não é considerada pela medicina atual como tão perigosa à
saúde mental do indivíduo como a depressão endógena. Isso ocorre porque a
depressão endógena, por ser causa frequente de suicídio, pode ser abreviada
pela intervenção de um familiar assim que se manifesta, resultando em
tratamento imediato. A distimia não. A distimia vive dentro do indivíduo,
matando suas relações interpessoais e deixando que ele exista, mas não viva.
Não o desespera, não o exaspera.
É tão egoísta que não dói em
si, e sim nos que o amam.
Luiza Versamore
Arte de Heather Horton, confira mais aqui.
"A maior solidão é a do ser que se ausenta, que se defende, que se fecha, que se recusa a participar da vida humana." Vinicius de Moraes
*DSM-IV: Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais- 4º Ed.