Camila


Não se enganem com o conversar tranquilo, o olhar afável, e o sorriso tímido. Ca é nossa heroína da juventude, seguidora de sonhos e jamais-desistidora. Vai entrando de mansinho em nosso coração, e já se instala no segundo seguinte ao que você piscar o olho no olho verde dela. Ou verde-caramelo, não sei. Não importa, desde que já tenhamos rido o suficiente da vida.

 Lembro que de pequenina, já era destemida. Quando eu olhava Camila com olhar arregalado, sabia que viria super-planos. Todos sabiam. 

Teve um dia que inventou de cachear o cabelo (que já era cacheado). Pegou a escova e enrolou, até o topo da cabeça. Nosso pai na sala, comentou que as meninas deviam estar aprontando alguma coisa. Vi Camila vindo até o corredor, só um pedaço do corpo, o perfil que não mostrava a arte. 

-" Mana, venha cá". Eu fui. Papai já sabia que ele seria o último recurso. Ficou  quieto e permaneceu no sofá.
Muitas horas se passaram na tentativa de desprender a escova, e nada da cabeleira loura da Ca desenredar. Vovó Cris também se envolveu na treta, mas não conseguiu tirar um fio. Ca só dizia: 
-" Tranquem a porta para o papai não ver." Gabi foi a primeira vez que a vimos ansiosa, no alto de seus quatro anos. Depois nunca mais. Cochichos, risinhos, quase-choros, consternação. Papai gritou da sala, umas duas vezes, se tudo estava bem. Se ele já podia entrar. A resposta era "NÃOOO", e cada vez o nervosismo era maior. "Acho que vamos ter que cortar"- falei, num diagnóstico pouco animador.

 Depois de quatro horas, fui até a sala e comentei a situação com papai. Ele chegou ao quarto, Camis já deitada na cama. Ninguém contava que o brilhante passado enxadrista de papai, iria nos salvar. Pensou um certo tempo, olhou, avaliou, o silêncio pairando no quarto das arteiras... 
-" Preciso de um cortador de unha!"

Nem preciso dizer que saiu todo mundo, menos a Ca que apavorada estava, a procura do objeto. Papai cortou cerda por cerda da escova, bem na raiz de cada haste, até que o cabelo da Ca foi se soltando aos poucos, cada tufinho. Intacto e livre.
Nosso herói! 

Essa é nossa Ca, Cazão, Camis. Olhos amendoados-oliva, universo de histórias e planos. Ainda hoje ela questiona como que papai não brigou com ela. Não sabe que é impossível se embravecer com quem porta tamanha honestidade de sentimentos. Ela não tinha medo de perder um pedação de cabelo. Não queria era 'desapontar' papai.

 Tenho um plano Camila. Você me ensina a não temer, e seguir em frente.  Eu sigo aprendendo com seu amor.

Luiza Versamore



Gabi

O bebê mais risonho do mundo. Uma menina doce com cara de sorriso. Ela sorri toda, desde pequenina. Quando sorri, o sol se derrama dentro da gente.

Eram sete da manhã quando Gabi abriu os pequenos olhinhos verdes, ainda no berço. Piscou e imediatamente iluminou o quarto. Acordei com sua luz abrilhantando o ambiente. A espiei sorrateiramente. Um riso desdentado apareceu. Eu ri de volta. Minha irmã mais nova era o bebezão que eu queria ter pra brincar quando pequena. Era a boneca que emitia sons, barulhinhos engraçados. Era a boneca com cheirinho de xampu infantil. Minha boneca. Eu era magrela, bracinhos de grilo. Não podia pegá-la no colo sem supervisão de adulto. Mas podia colocar meu braço fino por entre as arestas do berço para tocar no seu bracinho gordo. E ela ria, querendo pegar.

Posso dizer que um obstáculo tentou se interpor em nossa estrada da vida: morar em estados distantes. Ver a ela e Camila nas férias era tão almejado quanto ver nosso pai. A distância é uma coisa injusta. É um momento de saudade do que poderia ter sido.

Só que, quase inacreditavelmente, também existe um lado justo- a distância confere valor de trailer de cinema em nossa vida, no momento em que a saudade se desfaz e nós nos reencontramos com quem amamos. Não havia tempo pra eu brigar, nem discutir, nem me emburrar com as irmãs. Eu as queria proteger, fazer penteados, admirar o sotaque. Era oportunidade de conhecê-las de novo, cada ano em uma nova fase da vida.

E, de repente, é numa batida de coração que tudo acontece. Por conta de um defeito congênito, aos dezoito anos Gabi passou por uma cirurgia cardíaca. Que suportou sem se vitimar. Que superou mostrando a todos que pior defeito tem quem não tem um Coração como o dela.

 Minha irmã mais nova faz aniversário hoje, e eu me pego a refletir (didaticamente, como a futura professora):
1-       Que o tempo só volta na nossa memória, por isso devemos fazer com que ele valha a pena;

2-   Que minha tentativa de ficar loira aos doze anos, pra ter o cabelo de Gabi, fracassou pavorosamente;

3-    Que não é porque Gabi na minha cabeça é ainda um bebê, que nunca vai se apaixonar, e namorar, e viver;

4- Que minhas três irmãs me ensinam todos os dias o significado de um amor incondicional.

Se eu pudesse fazer um trailer, Gabi, nosso filme seria o seguinte: a distância física entre nós seria seu bercinho de dormir. Com minha mão eu tentaria lhe alcançar. Com seu sorriso, você me alcançaria.

Luiza Versamore






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