Enquanto a gente não acreditar que as coisas poderão ser melhores, eu acho mesmo que elas não serão. Dia desses, eu e minha irmã estávamos na fila do caixa de uma farmácia, quando presenciamos uma cena mais ou menos engraçada. No começo até pareceu um pouco divertido, eu diria até que parecia uma cena caricata, dessas que eu via muito no seriado do Chaves, com a “Bruxa do 71”. Estávamos no final da fila conversando entusiasmadamente sobre a maravilha que é o perfume de um hidratante para o corpo, quando uma voz de senhora, meio desafinada, se incorporou ao ambiente, bradando contra a pobre senhorita que atendia no caixa.
Reclamava ela (segunda pessoa da fila), que não podia estar ali mais, pois estava com dor no estômago, e seus pés doíam, e todos os dias era aquela fila enorme, e ela odiava filas, e que ”onde já se viu isso, até no Banco a gente tem que pegar fila?”, e que ela era uma pessoa doente, etc.
Resolvi olhar com mais atenção, para ver se as limitações tão clamantes pela voz da escandalosa velhinha faziam jus àquele desconforto todo, ao mesmo tempo que a fragrância do hidratante que a gente tinha escolhido já ia perdendo um pouco da sua graça. A atendente, muito pacienciosa, explicava à dolorida (em todos os sentidos) senhora, que ela já lhe atenderia, pois infelizmente o cartão do cliente a sua frente estava atrasando um pouco as coisas.
Até aí eu ainda estava dando um pouquinho de razão a essa nossa protagonista idosa, e acabamos até comentando com uma pessoa a nossa frente que pra tudo na vida existe mesmo a tal da fila, “é a lei da vida”, eu ria.
Foi quando a gritona ameaçou ir embora. Todos ficaram na verdade, aliviados, pois a onda de desconforto iria acabar. Quando ela enfim, coloca o pezinho fora da Farmácia, o alívio momentâneo se desintegra e ela resolve voltar, mais feroz que nunca, em meio aos comentários que se abafam na mesma hora.
Ela se intercalou entre a moça que estava atrás dela e do vivente da frente, que enfim conseguia passar seu cartão com êxito na maquininha, e disse a ele: -“até que um dia, hem!”.
A mocinha do caixa, que depois que morrer vai ser beatificada pela sagrada paciência, atende a cliente e escuta da mesma a seguinte pergunta: “-Não vai passar meu cartão de desconto aí, não?”, no que a moça respondeu que sim, mas que pensara que ela estava tão apressada, e que, como o sistema estava tão lento, e o pé, e o estômago também da senhora cliente, estavam tão doloridos, ela não aguentaria esperar uns minutos a mais...
Recebeu como resposta da mal-educada (pra não chamar de mal-amada) senhora, uma chuva de nomes pavorosos, entre os quais os menos traumatizantes são: lerda e burra.
Quando saiu, disse que nunca mais pisaria ali. Aquela mulher do caixa, vou ser sincera, ela merece um prêmio da Panvel* no final do ano. Continuou atendendo todo mundo muito bem-humorada, riu da situação e nos comentou que essa consumidora tão avessa às filas, era eximia frequentadora do lugar. E sempre, sempre, fazia seus fiasquinhos assim, os vendedores do balcão estavam acostumados.
Já falei aqui, no post passado, sobre essa necessidade de histeria que algumas pessoas têm. Umas têm necessidade de aparecer por serem indiscretas. Mas de todas, acho que as mais pavorosas são as que querem aparecer através de pequenos momentos em que se aproveitam de determinadas condições físicas ou fisiológicas pra humilhar os outros, o que, particularmente, acho que só demonstra a total incapacidade de socialização destes seres.
Bem, a gente saiu de lá rindo, é claro, com narizes e antebraços cheios de provas de perfumes, comentando que essa coisa tão simples, que é ser feliz, é mesmo um grande ponto de vista. Não importa se a gente ainda enxerga bem ou não. Já disse um escritor francês que o essencial é invisível aos olhos, eu digo que o essencial é ver, bem claro, uma razão pra continuar, apesar da dor, apesar dos dias de fila, dos pés cansados. Vamos acreditar.
Luiza Versamore