No meio do caminho havia um sorriso

Hoje, minha mãe faz aniversário. Uma mulher forte, sem dúvida. Quem a conhecer num primeiro momento poderá dizer, pela figura doce e risonha, que talvez não, talvez seja doce demais pra ser tão forte assim. Sempre o mesmo sorriso, igual ao das fotos que minha avó Maria guarda, de quando ela tinha cinco anos, sentada atrás de uma escrivaninha de madeira, com um enorme globo que eu vejo em preto e branco, mas que, é claro, estava com seu colorido apagado pela tecnologia permitida para as fotos de então.
 Quando estive de férias em casa, em janeiro, folheando álbuns antigos com meus primos e minha tia, havia uma foto, a qual mostrei a meu namorado, onde eu estava no colo de minha mãe, com quase um ano de idade, ambas rindo muito. Não eram sorrisinhos, daqueles que são geralmente difíceis de tirar dos bebes menores, quando posam para fotos, eram gargalhadas! Talvez todo mundo tenha uma foto assim, daquelas que você olha, olha, olha, e, repetidas vezes te trazem o sentimento de ternura. Essa imagem, quando vem a minha cabeça, sempre me faz sentir esse aconchego, essa chama especial.Naquele momento, escutei ele dizer: -você não mudou nada, continua tendo o riso fácil!
Gostei dessa observação. É verdade. Claro, não sou  uma boba, que ri de qualquer situação, mas realmente, eu não sou uma pessoa amarga, nem aborrecida. Às vezes, vejo pessoas de minha convivência com uma grande dificuldade de rir. Esses dias vi no Programa do Jô, uma mulher, que conseguiu me tirar do sério, por alguns minutos somente, ainda bem. Ela falava, tentando ser engraçada, da escassa tolerância que tinha com as situações e as pessoas a sua volta. Eram coisas cotidianas, simples, que a incomodavam e a faziam reagir sempre da mesma maneira impaciente, e praticamente tudo o que ela falava, mostrava uma visão negativa, com aquela dosezinha repugnante de rancor, que as pessoas que se acham perfeitas tem. Bastou a entrevista terminar pra eu me sentir chateada. Sem querer, mais uma vez lembrei de minha mãe, que sempre me disse pra eu ter cuidado com as influências. Para eu não me deixar levar pelo pessimismo, pela idéia falsa de que viver e conviver deve ser torturante, e que, infelizmente, algumas pessoas sabem como ninguém nos fazer sentir assim.
Logo, visualizei em minha memória, nossa foto, aquela imagem afável, meiga, das gargalhadas de mãe e filha.
Lembrei então, quão forte ela é. Naquele ano, muita coisa tinha acontecido. Ela era mãe solteira, vivia numa casa com meus avós, tios e mais dois bebês, que eram meus primos. Viviam mudando de casa, porque a grana era curta, e logo, se alguém ficava desempregado, não havia outra solução que a de mudar. Enquanto isso ela fazia faculdade, trabalhava, cuidava de mim. Todos se cuidavam mutuamente, embora as dificuldades estivessem sempre presentes. Meus tios contam hoje rindo, das casas em que vivemos naquela época, uma delas tinha um formigueiro enorme no forro do telhado, que desabou por cima das camas!
 Imagino minha mãe, indo para a faculdade, o vento congelante no inverno do Rio Grande do Sul, coração corajoso, enfrentando a dificuldade de seguir estudando em meio a essa adversidade que é ser mãe de repente. Lembro de quando eu chorava no Jardim de Infância, na hora da saída, uma boba preocupada que ela não fosse me buscar! Sempre apegada, eu sentia saudade dela nesse lapso, que era a manhã ao sol no balanço da escolinha, mãozinhas geladas no cordão de ferro, que embalava minha ansiedade. Meus coleguinhas me dizendo que ela viria, viria sim. E ela vinha, de bicicleta cinza emprestada da minha tia, ou a pé.
Minha mãe, sorriso limpo, de quem acha graça em coisas para as quais eu normalmente não daria atenção, e quebra essa coisa estressante que é se apegar demais a fatos sem importância. Olhar alegre de quem vai tocar em mim uma satisfação de ser grata por estar aqui. Uma pessoa que superou tantas outras coisas, superou doenças, tristezas,  ausências,  manhãs, noites, o frio do sul e o frio da vida.
Minha mãe, mulher forte. Sorriso cativante, refletindo a alma. Dela, herdo o sorriso fácil, esse que me destaca talvez, na vida, e me salva de ser uma pessoa mal amada. Dela, riso fácil que veio de um tempo de dificuldades, onde talvez a alegria fosse uma forma de se manter forte naquele mundo onde as lágrimas seriam, aparentemente, uma fuga fácil para as vivências difíceis. Ao invés disso, ela preferiu levantar a cabeça e sorrir, e, assim, seguir, enfrentar. Com seu riso fácil, tal como o otimismo de dias pós-tormenta.
Por isso, para mim, legada dessa forma motivadora de encarar as coisas, é inadmissível ver alguém, com saúde, e perfeitamente dotado de condições básicas para viver, reclamando da vida, banalizando com mil pretextos mesquinhos, a rotina de viver.
De minha mãe, esse sorriso, ensinando a cada ser humano, que nada é tão ruim o suficiente que não possa melhorar. Que a saída existe, e esse riso estará ao final do nosso ansioso e embalado caminho, às vezes enregelado pelas ocasiões vividas, mas imensamente belo e abrasante, quando a luz emanante dele, nos encher de amor pela simples possibilidade de que ele virá, virá sim.

Para minha mãe, Clarice Ramos, dia 05/03/2011.

Luiza Versamore

UM MUNDO DE PORQUÊS

Ontem terminei de ler "Os 13 porquês" de Jay Asher. No começo achei que seria mais um romance descartável do que uma história que fizesse algum sentido real. Bem, felizmente me enganei. O romance é narrado, ou co-narrado, por duas personagens principais, o jovem Clay e sua ex- companheira de colégio, Hannah Baker, cuja presença predominante aparece depois de suicidar-se, em uma gravação onde ela explica as razões que a levaram a cometer tal ato.
Hoje, aos 28 anos, sabendo um pouquinho mais da vida do que eu sabia quando tinha 13, várias vezes parei em meio a narrativa, achando que cada explicação que dava Hannah para seu ato desesperado, estava sendo realmente muito supérflua, ou seja, que ao fim, analisando friamente, não sobravam de nenhum daqueles porquês, uma razão derradeira para justificar seu suicídio. Eu disse: analisando friamente. De repente, voltei no tempo, em minha memória, e lembrei do caos total que vivi dentro de mim quando era mais jovem. Nunca tentei suicídio e não tive tal inclinação a fazê-lo, mesmo tendo passado um período difícil de depressão ( e único, graças a Deus) durante um ano da minha adolescência. Mas, naquele momento, a mim parecia que eu tinha todas as causas do mundo para isso. Realmente, TODAS as razões que eu tinha, hoje me parecem completamente idiotas, insustentáveis. Eu pensava que não deveria mais viver, que a vida não fazia sentido. No começo vivia chorando, tudo era motivo para tristeza. Sendo criada por meus avós. Uma vó com transtorno obsessivo-compulsivo, difícil de conviver com todos. Eu, uma adolescente perdida, romântica e um pouco dramática. A beira de descobrir tudo o que viria pela primeira vez. Meu mundo era um quarto cor-de-rosa, uma pasta de papel de carta e um cd da Laura Pausini. E uma melhor amiga, que me salvava da solidão interna que eu sentia, e que, tempos depois, por erros meus que agora não vêm ao caso, eu afastei de meu lado.
De um dia para o outro eu já não era mais uma menina. E, no outro dia eu voltava a ser. Com minha avó o diálogo era difícil, ela achava que tudo era bobagem. Minha mãe trazia pra eu ler revistas "Querida", "Carícia", então tudo o que eu sabia sobre adolescer era o que estava escrito ali, aparentemente meu pequeno manual de salvação.
A maioria dos temas e matérias dessas revistas, eram e acho que hoje ainda continuam sendo, eles, os meninos. Porque estavam sempre falando sobre virgindade, primeiros beijos, menina que fugia de casa com o namorado, mães novas solteiras, testes de qual o seu tipo de namorado perfeito, letras de músicas românticas, presentes para namorados, poesias para namorados, dúvidas sobre relacionamentos com ficantes e namorados, como entender a cabeça dos namorados. Aquela balela toda parecia que era pra convencer a gente de que o mundo é um grande luau, cheio de príncipes e princesas, influenciando a gente a colocar no fundinho do subconsciente que aquele era o objetivo da vida de uma adolescente: ter um namorado. Prato cheio pra uma mente romântica. Mas minhas dúvidas, na maioria das vezes, eram sobre outros temas da vida, pra mim, muito mais importantes. É claro, de vez em quando, vinham matérias sobre leituras, discussões sobre separação dos pais, mudanças do corpo, e crônicas de adolescentes, que escreviam aquilo que pensavam realmente. Mas a maioria tentava, não sei se por querer, implantar na nossa cabeça um mundinho que não era assim. Ou seja, não era SÓ isso. Eu queria entender naquela época o que minha irmã adolescente entende hoje, perfeitamente. Que era uma fase. Todos diziam que era uma fase, mas ninguém explicava porque era uma fase. Todo mundo dizia que eu era "aborrecente", mas não sentavam e diziam: peraí, seu corpo tá em um momento de transição! Seus hormônios estão tentando se equilibrar, por isso uma série de coisas estranhas vai acontecer, principalmente na sua cabeça. Vai ser assim e assado. No caso de que se fossem meus pais a conversarem, eles falariam de como foi com eles. O que eles sabiam ou não. O que eles descobriram. Na revista, ler não era a mesma coisa. Eu entendia tudo, mas interpretava de outro jeito. E quando você é adolescente, é assim mesmo, você interpreta de uma maneira totalmente diferente da sua amiga, que por sua vez interpreta de maneira diferente da outra.
Assim, recordando todos esses momentos angustiantes de ser adolescente, eu me peguei passeando novamente por aquele mundo, talvez em alguns aspectos, o mundo de Hannah Baker também, onde ela não tinha muitas pessoas que a escutassem. Infelizmente, assim como aconteceu com a personagem, também ocorrem todos os dias os casos de suicídio de jovens. Se formos analisar sobre um aspecto biológico, eu, como estudante de Medicina, hoje sei que a maioria dos suicídios decorrem de uma situação de desequilíbrio orgânico de neurotransmissores cerebrais, dando como resultado uma depressão endógena, um tipo de depressão severa, cujas únicas medidas de tratamento efetivo, são medicamentosas. No livro,  Asher consegue aliar a trama vivida pela suicida a um apelo de grande utilidade a pais e adolescentes, mencionando por diversas vezes a sintomatologia que cerca essa doença, cada vez mais comum na atualidade. Tenta abrir os olhos das pessoas que convivem com adolescentes, tanto professores, como pais, como os próprios amigos; para aprenderem a enxergar além do que podem. Coloca a personagem frente a momentos extremos, dos quais a maioria de nós passou nessa época, mas sempre focando nos sentimentos dela, e apresentando-os como exclusivos. É claro, nem todos os adolescentes "sofrem" por adolescer. Mas, se a gente puder perceber esses sinais naqueles que o fazem, poderemos mudar muita coisa.

                                                 Luiza Versamore


Dois vídeos interessantes sobre o assunto:
1) http://www.youtube.com/watch?v=xHz15TaotXU&feature=endscreen

2) http://www.youtube.com/watch?v=VkqJ0Ahx8RM&feature=relmfu
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