Tenho medo de escuro. Mas um medo de verdade, avassalador.
Na imensidão escura da queda de luz brusca, no meio da madrugada, sinto o frio “escaldante”
da adrenalina percorrendo minha barriga, e fecho minha boca rapidamente para
impedir que meu coração acelerado saia por ela. Levanto alarmada, sei que estou
viva porque meus pés descalços tocam o assoalho frio do quarto. Apalpo as
paredes, pernas tremendo, e busco qualquer saída, um foco de vagalume, um
reflexo de trovão que entre pela vidraça, até encontrar uma janela salvadora,
que me entregue um pouco de ar. Serei agradecida pelo ar existir, ele
refrescará minha testa suada e me lembrará que estou sobrevivendo. É como tirar
uma mão invisível que aperta forte a garganta. Ninguém conseguirá me tirar dali
até que a luz volte, ou que eu tenha encontrado uma lanterna no meio do caminho
até a janela, e me recorde passado o susto, de apertar o botão que liga. Isso também porque talvez ninguém normal vá perceber, além de
mim, que a luzinha acesa no final do corredor, que entrava por debaixo da porta
propositalmente, se foi. Não sei como, nem porquê, mas eu perceberei, mesmo
dormindo, mesmo no meio do sonho, ou do pesadelo.
Tentei regredir ao passado pra entender. Tinha uma
babá que contava histórias horripilantes de sapos e noites escuras. Dizia que
não podia deixar sapo, nem parentes dele entrarem em casa por descuido no dia
de chuva. Pererecas e rãs, abomináveis durante a noite, mostrariam sua face
mais hedionda. Se dessem uma volta completa ao redor da cama, o dono da casa
sumiria para sempre. Intrigada, no começo decidi resistir. Aos cinco anos
escondi uma pedra enorme debaixo da cama. Venha sapo. Estou pronta. Na mesma
noite sonhei que a pedra se mexia, e de repente, virava um cururu gigante, saltitando
feroz atrás de mim. Acordei em pânico. Ofegante e amortecida. Sem me mover fiquei
ali tentando escutar algum ruído que indicasse que a pedra estava se mexendo.
Talvez tenha escutado algo, um coaxar de pedra, ou um pedregulhar de sapo.
Passaram-se anos. Mas a fobia continua. Podia ser algo
mais requintado, digamos. Medo de avião, de multidão, de ventania, de ácaros, de
solidão, ou mesmo de sapos. Mas não. Tinha que ser acluofobia*, ou escotofobia,
não sei qual nome é mais feio.
Não tive coragem de contar ao psicólogo. Ia ficar
estranho. Mais um complexo para resolver.
Não tive coragem de ir atrás da estranha mente escura
que me aplicou contos que fariam os Grimm** parecerem Xuxa. Fiquei pensando nos
filhos dela. Acreditariam naquelas baboseiras? Provavelmente me acalmariam
dizendo que não escutei o pior.
Salve a modernidade e as descobertas científicas.
Todos dizendo que não se devem inventar monstros e monstruosidades às crianças.
Virou uma ciência ser comedido nas palavras e confabulações. Mentes antes
perversas, hoje se comprazem em corrigirem os tutores a não criarem seres
medrosos.
Então, você já sabe. Se eu dormir na sua casa um dia,
me perdoe o escândalo. Mas vou dormir perto do abajur. Com a vela dentro da
gaveta. E a caixa de fósforos dentro da fronha.
Luiza Versamore
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**Irmãos Grimm: escritores alemães que se dedicaram ao registro de fábulas infantis.