Eu: estranha estrangeira


Viajei a Buenos Aires, fui atrás de uns documentos da antiga faculdade. A cidade, como sempre, maravilhosa. Cheguei em dia quente, ensolarado, trinta graus fora dos ambientes climatizados. Fiquei na casa de um casal de amigos queridos, brasileiros que são da mesma cidade que eu, no Rio Grande do Sul. Saindo do aeroporto, resolvi pegar um “transfer” que saía dali e parava na Estação do Retiro, um bairro movimentado da cidade; para então seguir com outro veículo, que me deixaria definitivamente no meu lugar de destino. Mas, nesse dia, não tive muita sorte na espera. Pelo menos, foi o que pensei. Pensei que esperaria no máximo cinco minutos na estação, para então conseguir entrar em uma das minivans que saem a cada momento daquele lugar. `Aquela altura da viagem já estava cansada, pois meu voo tinha atrasado, saindo uma hora depois do esperado. Chegando ao Retiro, percebi que as minivans que esperavam estacionadas, estavam já lotadas, e logo seguiram seu percurso. Tive então de esperar novamente. Sobrei ali, junto com outra menina. Sentei no extremo oposto do banco aonde ela estava esperando o mesmo que eu. Um funcionário do estabelecimento veio nos dizer que em “cinco minutinhos” (os mesmos que eu havia pensado), outra van chegaria e que nos levaria dali aos nossos destinos. Bem, eu pensei, cinco minutos não são nada quando se está logo abaixo do ar-condicionado. Então, comecei a olhar  em direção daquela menina sentada, buscando com que ela me olhasse também. Queria puxar assunto, afinal, pra que o tempo passasse mais depressa. A menina não olhava de volta, furtivamente um rabinho de olho despontava para o meu lado, mas era só isso. Comecei a ficar encucada. Mil pensamentos ridículos emanavam de mim, tipo: “que *portenha antipática!”, ou, “ será que não me olha porque ela é loira e eu sou morena?”, ou mais nada a ver ainda: “é mal amada, aposto todos os pesos argentinos que levo no bolso, que é bem mal amada.” Nessa onda de pensamentos ultrajantes à pobre moça, eu me levantava a todo momento, me movia em sua direção, voltava, perguntava a hora para o carinha dos “cinco minutinhos”, e a moça nada de me olhar.  Às vezes ela olhava, mas fingia logo que não me via... Pensei em abordá-la  com uma pergunta, tipo, “veio da onde?” Mas, nesse momento meus pensamentos malucos já me distanciavam de querer abrir conversação...
Passaram-se então, QUARENTA MINUTOS, até chegar nosso automóvel.
Foi então que a menina se adiantou e pulou fora do lugar de espera, alcançando logo uma das vans. Eu fui andando também, em passos calmos para não ‘correr o risco’ de ficar na mesma van que a 'miss simpatia', e assim não vi ela entrando...  e, adivinhem só ao lado de quem eu sentei? Ah, é claro, ‘a portenha antipática!’.  Me acomodei dentro da van, pensando, “viu, se você tivesse me dado bola a gente tava em altos papos, não teria sido tão chato esperar”. Então, o inesperado aconteceu! Ela me olhou e disse: “ We waiting for a long time, no?” Silencio. Que durou um milésimo de segundo, mas para mim foi eterno. Processei as palavras, me confundi porque até então só entendia inglês nos seriados da Warner Channel. Ok, pensei. Pensei em inglês e falei em um espanhol nervoso pra coitada da menina: “Si, nosotras esperamos muchísimo...” Ela me olhou com cara de quem era ela quem estava vendo uma ‘portenha’ louca na frente, sem entender um ‘a’ do que eu dizia. Olhos verdes arregalados, ela meio constrangida assentiu com a cabeça, um pouco sem graça por não entender. “Ah, Luiza, viu só, sua doida? Pensando mal da menina!”, pensei. Entraram então mais dois rapazes. Um sentou do meu outro lado, e o outro no banco do carona. O motorista pediu a cada um de nós, os respectivos endereços aonde nos devia levar. Só percebi realmente que minha companheira ao lado não tinha a mínima noção da língua local, quando tivemos de explicar para onde deveria o motorista nos levar. Ela olhava com aquela carinha de “save me, please!”. Depois de acertados os caminhos, todos seguimos em silêncio, totais estranhos no mundo constrangido e apertado da van.
Não andamos nem dois quarteirões e o trânsito  empacou. Buzinas. Muitas buzinas. Quando começaram as primeiras trezentas, as outras duzentas que vieram depois, ajudaram a formar um coro agudo. Então, um riso descontraído de menina cortou aquela cena ruidosa. Minha colega de espera rindo da bagunça ensurdecedora do trânsito terceiro-mundista! Todos começamos a rir, numa quebra-de-gelo em massa, eu falei alguma coisa sobre como aquilo era bizarro, já que os carros não andavam mais pela barulheira, alguns deram outros pitacos ininteligíveis naquele momento. Então me enchi de uma grande coragem e resolvi perguntar, no meu mais inventado inglês, de onde era a “colega”. Entre arranhões no inglês e risos das duas dentro de uma limitada compreensão, consegui entender que ela era canadense. Tinha voado doze horas, e estava um caco, mais caco do que eu, que também estava cansada aquela altura. Foi quando o rapaz que estava sentado no banco da frente disse que também era canadense e que provavelmente haviam vindo no mesmo voo. E foi quando o rapaz ao meu lado esquerdo disse que era chileno. Enfim, toda aquela gente, cansada, suada e morta de fome, estava na mesmíssima situação: encalhados dentro de um  trânsito infernal na capital argentina, tentando se entender.
Depois ainda descobri que a “colega”, (que por incrível que pareça, só o nome esqueci de perguntar, mas que não era um fato essencial), estava na cidade pra aprender a dançar tango, já que era bailarina la no Canadá, e o estilo da dança lhe chamara atenção.
Pensam que o “espanenglish” acabou? Não, o fato mais engraçado aconteceu dentro do automóvel depois de muitas risadas minhas e de minha nova best-friend-forever estrangeira, na tentativa de nos entendermos. Sucedeu que enquanto a gente tagarelava daquele modo pouco convencional (mulher consegue isso ate falando línguas diferentes), os moços presentes que falavam espanhol (o motorista e o chileno) escutavam atentamente ao rádio e algumas vezes davam boas gargalhadas. Cheguei uma hora a pensar que riam da gente, mas resolvi afinar meu ouvido e tentar ouvir melhor... Sabe de que estavam rindo? Não era da gente. O programa de rádio tinha uma ouvinte falando (em bom castelhano), de suas experiências sexuais dentro de uma orgia que haviam participado, ela, o marido, e, mais ‘alguens’. Sim, foi meio constrangedor. Nessa hora dei graças a Deus porque minha “BFF” não estava entendendo aquilo. Nem seu colega de voo.
Quando cheguei a casa de meus amigos, ao sair do táxi, ela me acenou e disse “ take care...”. Eu falei tchau. Fui pensando se não a havia assustado demasiadamente com minhas tentativas de aproximação na sala de espera. Fiquei lembrando do olhar fixo dela para a porta da estação, e, agora, eu já imaginava que somente o que ela queria naquele momento era escapulir dali a salvo de mim!
Foi assim que aprendi a grande torre de Babel do mundo. Não é só a língua. Nem os costumes. E um pouco da gente mesmo parar e se perguntar se existe algo mais, além daquilo que a gente vê. Se perguntar se na verdade, nossa sorte não está exatamente nesse momento que aconteceu, e o que podemos aprender dele.
A família, o lugar, os costumes, a nossa cultura. Até que ponto estamos tão distantes do outro? Até que ponto podemos chegar tão perto? Até que ponto somos tão diferentes e tão iguais na insegurança de ser?
Esperei, cansada. Mas valeu a pena.
*Portenha: nascida em Buenos Aires

Luiza Versamore

9 comentários:

Mariane Magno disse...

Muiito bom linda!
ri demais ainda mais nessa parte : “é mal amada, aposto todos os pesos argentinos que levo no bolso, que é bem mal amada.”
kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk'
pior que é já tive um certa experiência com um Americano, passávamos horas conversando muitas diferenças culturais porém é incrível como o ser humano é tão parecido.

beeeeijos

Claudionor Damasceno disse...

muy bueno!

Luiza Versamore disse...

Obrigada queridos por me acompanharem! Beijinhos,
Luiza

Anônimo disse...

Oi luiza

Seus textos são intelingentes e bem humorados,rs adorei..estou te seguindo.

Se quiser me visitar:

http://www.vibrealma.blogspot.com/

Beijos

por um momento parei de ser .. disse...

Nossa! Que texto maravilhoso, ri muito. Realmente a gente precisa parar algum dia de ficar encarando as coisas, os fatos, e tomar alguma atitude. Nesse caso se você tivesse ido falar coma moça antes, teria dado tudo certo, teria entendido as coisas; Mas a vida é assim mesmo.
Adorei seu blog, muito bonitoo..
se quiser fazer uma visitinha no meu blog fica a vontade :
http://porummomentodeixeideser.blogspot.com/
ja estou te seguindo!!
fica com Deus!

Luiza Versamore disse...

Realmente, as vezes a gente `e que complica demais as coisas! Adorei seu blog tb, ja estou seguindo!
Obrigada pelo comentario, beijos!
Luiza!

Suéllen Pereira disse...

Adorei seu blog também, seu jeito de escrever é único.Faz a leitura interessante e agradável, também já estou seguindo. Adorei mesmo =D
E que bom que você gostou do meu blog, obrigada pelo comentário.

Unknown disse...

Oie amei seu blog é tão simples mas ao mesmo tempo tão carinhoso e cheio de textos que nos traz grandes emoçoes =) gostei muito do conteudo =)
já vou marca minha presença por aqui te perceguindo a parti de hoje!
até mais =)

Que Deus te abençoe muiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiito
=) um grande abraço para vc =)

Luiza Versamore disse...

Oi Jhoy!
Obrigada pelas lindas palavras, tambem estou te seguindo!
Muitos beijinhos, volte sempre!
Deus tb te abencoe muito!
Luiza

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