O
caleidoscópio e a caixinha de música vermelha: os brinquedos favoritos dos sete
anos. Fui visitar os avós paternos na cidade vizinha à que eu morava. O
caleidoscópio pertencia ao amigo mais querido do mundo, que coincidentemente
também era meu tio, Luciano. Por uma dessas gratas surpresas da vida, ele tinha
quase a minha idade, sendo eu dois anos mais nova. A
caixinha de música vermelha era da minha vó Cris, e me foi “emprestada” por ela, por alguns dias, pra que eu pudesse escutar a melodia mais de mil vezes. Era uma
daquelas caixinhas antigas de descanso para o telefone, que não lembro bem, mas
provavelmente tocava Pour Elise*. À noite, para incomodar tio Lucho*, eu
apertava o botãozinho de cima da caixinha e infernizava ele para que não
dormisse. Era necessária a intervenção dos avós pra que eu parasse o
desagradável tormento. Na negociação, consegui autorização para dormir agarrada
com a caixinha.
Quando
vó Cris entrou no quarto eu estava apontando o caleidoscópio para a janela, maravilhada
pelas imagens que apareciam. Eram figuras verdes, azuis, e vermelhas, que ora
pareciam estrelas, ora viravam flores. –“Nenhuma se repete, nunca!”- dizia ela.
Não se repetiam mesmo. Era ficar horas tentando. Mudava de janela, procurava
outros focos de luz. As formas variavam, nenhuma igual à outra. Inventei de
tentar “desconstruir” o instrumento, pra saber que magia era aquela dentro
dele. Claro que foi intervenção divina, vó Cris escolheu o momento certo pra barrar
meu excesso de curiosidade. Quando desconfiou do meu silêncio, eu estava
prestes a desmontar o brinquedo, salvo pelo poder da voz mansinha da avó.
A gente
cresce e todas as coisas que tinham um significado sólido na nossa infância,
passam a ter um valor quase metafórico quando nos tornamos adultos.
Aos
sete anos era o caleidoscópio que prendia minha atenção com suas imagens todas
diferentes e curiosas, como cabiam todas lá dentro, eu não sabia, e isso era
toda a maravilha dele. Hoje, as diferentes situações da vida, já não nos deixam
espaço para sermos meros expectadores. Não sobra tempo pra gente se perguntar o
porquê de muitas delas. Muitas vezes não temos nem a iniciativa de querer
analisar o que nos condiciona a pensar como pensamos. As milhares de situações
que nos são apresentadas, e, até mesmo as corriqueiras, são vividas sem muito
brilho. Por que deixar de nos cobrarmos atitudes melhores perante a vida? Sim,
dá mais trabalho, mas se a gente pudesse resgatar por um instante destes
muitos, aquela vontade de criança de entender como a vida funciona, veríamos
com mais clareza o que realmente importa.
A
caixinha de música emprestada por vó Cris foi comigo pra minha cidade, mas
depois de mais negociações, ela conseguiu levar de volta ao me deixar o seu
secador de cabelo em troca. Acho que deve ter sido aí que começou a minha mania
de dormir com algum objeto ao lado, tipo cachorro que dorme com o ossinho. No
meu inconsciente deve estar uma representação da pessoa, ou a percepção de proteção que
isso me dá. Ou eu sou doida mesmo.
De
qualquer forma, talvez o mundo, cheio de nuances complexas, seja tão simples
quanto uma figura caleidoscópica, e a gente o complica demais.
A gente
deixou de ter a sabedoria de vó Cris. Deixou de negociar uma paz interior,
trocar um sentimento que nos desagrada por uma pequena possibilidade de
saudade. Uma legítima e boa saudade.
Luiza
Versamore
*Lucho é apelido carinhoso do tio Luciano
*Acho
difícil você nunca ter escutado essa famosa de Beethoven, mas se quiser
lembrar, está aqui: http://www.youtube.com/watch?v=_mVW8tgGY_w
2 comentários:
Luiza, achei o seu blog MARAVILHOSO! Também adoro dormir abraçada em boas lembranças. Continue escrevendo. Com amor, Margo.
Obrigada Margo pelos bons elogios. Enfim, como boa romântica acredito que as noites sirvam muito para embalar lembranças...
Volte sempre,
Um beijo
Luiza Versamore
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