Essa questão da superação. Sei lá. Vem todos os dias.
Eu tinha uma mania adorável quando morava sozinha, na época de faculdade. No
decorrer de cada novo e espinhento problema que alfinetasse minha cabeça,
abraçava a oportunidade de sair de cabeça molhada na rua, e caminhar,
caminhar... Caminhava a passos rápidos, compassados ao ritmo de minhas
caraminholas, não firmava o olhar nos rostos que passavam inertes e despretensiosos,
porque todos os rostos eram assim pra mim, eram figuras que se resguardavam do
sofrimento alheio. Mas que sabia eu do que eles também tinham em mente? O
problema da gente é agravar o que sente.
Ali que (desconfio) começaram minhas rugas da testa.
Foi num dia que achei que tudo estava perdido, que eu estava perdida, que senti
que meus olhos inundados não iriam resistir à próxima esquina. Busquei
desesperada, ainda que na penumbra das oito horas do horário de verão da cidade
pequena, um porto onde não naufragasse tão absurda vergonha de deixar lagrimar
meus olhos. Era uma vitrine de uma loja de doces. Achei tão contraditório, mas
não pude rir. Fixei-me em minha imagem refletida na vitrine, e percebi duas
ruguinhas, uma cara abalada, uma face de abandono. A pior coisa que um
ser-humano pode sentir nesta vida, é pena de si mesmo.
Pisquei diversas vezes, fingi olhar para os
chocolates, as embalagens. Meu cabelo quase seco, e um ventinho no ouvido que
dizia- que cara feia, se manca menina!
Não sei quanto tempo fiquei ali. E ali diversas vezes
parei, pois era um lugar seguro para se pensar. Pra se tentar consertar aquela
ruga. E tentar enxergar de verdade o motivo da andança. Talvez a superação não
seja só passar pelo problema e vencer ao final, como diria um dicionário de
autoajuda.
Talvez mesmo, a superação não seja nada. Seja uma
migalhinha de esperança de que a ruga não seja permanente. E uma esperancinha
de que a vitrine ainda esteja lá, porque você precisa olhar pra você mesma uma
hora e encarar aquilo tudo.
Gosto de caminhar quando estou com a cabeça cheia.
Pode ser um problema. Pode ser uma preocupação. Pode ser uma perseguição
confabulatória das minhas próprias ideias. Pode ser uma tentativa caricata de
desenho animado, do bonequinho rodando em círculos e matutando até abrir um
buraco no chão.
Era algo triste, alguém poderia pensar. Mas eu falei
que era “adorável”.
Afinal de contas, tudo na vida se resume a superação?
Para mim, se resume a calçados gastos, ruas sem fim,
vitrines anti-rugas. No pingo gelado que cai do cabelo molhado, um mar que eu
não tive licença para chorar.
Luiza Versamore
"Você que inventou a tristeza
Ora, tenha a fineza
De desinventar"
Ora, tenha a fineza
De desinventar"
Chico Buarque
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