Bambolê

Sofri uma grande decepção ao saber que o que fazia aquele barulho de chocalho dentro do bambolê, era na verdade, sementes de milho.

Manhã de inverno. Estava muito frio, eu vestia alguma roupa extravagante de lã vermelha e uma touca de tricô cru com pompons. Vó Maria me levava pela mão. Meu Ortopé azul-marinho tinha um bolsinho pra guardar dinheiro. Antes de sair de casa ela punha um trocadinho dentro do bolsinho, com a recomendação de que era pra trazer algo que eu gostasse da rua. Me sentia rica nessa hora, e cada passo, mais parecia um desfilar. Afinal, eu levava naquele pé um tesouro. Um tesouro que ia de ônibus até o centro da cidade, feliz.

Premeditada, vovó já sabia que meu desejo se tratava de um bambolê. Era o brinquedo da moda na época, e todos eram coloridos. Eu não me saía bem no rebolado quando ensaiava com o das amigas, algumas já faziam manobras com o pé. Eu deveria praticar, e pra isso precisava ter o meu. Parece que estou falando de um carro, é engraçado como as coisas mudam e as brincadeiras ficam sérias.

Mas voltando ao assunto. Entrei na lojinha da esquina ofegante. O cachecol me apertava, o nariz era gelado, a expectativa fervia. Haviam dois bambolês pendurados na parede, um era verde, minha cor favorita, e o outro preto, com uma fita dourada serpenteando toda a volta. Como era criança, quis o verde, de cara. Se tivesse conhecido Chanel não me atreveria. Mas as crianças daquela época queriam o brega, não queriam ainda usar uma roupa de adulto em miniatura, como é hoje.

Uma senhora que nos atendia estendeu-o em minhas mãos, e, ao largar, pequenos barulhinhos se soltaram no chão frio. O bambolê se abriu, e, de dentro, caíram alguns grãozinhos amarelos. Os peguei na mão e os encarei com horror, olhando incontáveis vezes ora pra vó Maria, ora pra atendente, ora pros grãos. Não podia ser! Aquele barulhinho gostoso sempre foi em minha cabeça, bolinhas coloridas, talvez comestíveis, como as coisas eram no filme da Fantástica Fábrica de Chocolate! E, aos quatro anos de idade, eu saí da loja com o bambolê preto e dourado, pensando na remota chance de que lá dentro dele tudo pudesse ser como eu imaginava.

Os dias que se sucederam ao fato foram de extremo cuidado. O rebolado era contido, deus-me-livre abrir o bambolê ao meio e eu fazer mais uma descoberta triste. No pé nem pensar, não me arriscava a emprestar, a fita dourada queria descolar. “Se você não brincar, vai ficar de enfeite na parede!”- a vó repetia.

“E se abrir e de lá de dentro sair milho?”- perguntei temendo a resposta. O que vovó disse seria a grande diferença da infância feliz que tive e da segurança que eu viria a sentir em certos momentos da vida, onde ficou claro que muitas vezes, talvez minha imaginação não pudesse me salvar de tudo.

“Faremos pipoca!”

Ainda hoje fecho os olhos perante essa lembrança para poder escutar o barulhinho, e então de novo sou criança. Nem sempre o que parece inseguro, é ruim. A beleza está em poder ter a oportunidade de saber a verdade. Por mais que nos doa.


Luiza Versamore





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