Estive a ponto de contar que um dia também sofri como
um cão sem dono- boa estrofe de música ruim... as músicas ruins estão pra nossa
“dor de corno”, como o chocolate quente está para o inverno. Só que tem um
inverno que dura pra sempre dentro de nós, então é melhor nem tocar na
existência dele, deixá-lo congelado e amortecido.
Me dei conta de que nunca contei uma dor de amor a
ninguém, pelo menos não tal qual ela foi. Os detalhes que machucaram, os fatos
que feriram. Sempre sufoquei o pior. Sorri quando queria era me atirar da
ponte. Mas não invejo quem consegue contar sua dor, não mesmo. Acho que tem um
tom de lástima que a gente não precisa expor a todo tempo: faz você parecer que
foi o único que sofreu no mundo, na vida, em todos os tempos, a maior dor do
universo. Só que todo mundo já sofreu assim, sinto em dizer.
De todas as dores, a que mais me cala é a da infância.
Eu tive o carinho que bastava pra uma menina pensadora, que vagava sozinha por
pensamentos confusos, por adultos confusos. Um carinho de avós, grande, mas de
substituição. Fui preterida muito cedo, e me senti excluída e esquecida muitas
vezes. Não, vocês não irão entender, porque está tudo trancado. Não vou
explicar.
O adulto que somos jamais esquecerá a criança que
fomos.
Amar se
aprende, é isso? Será que é mesmo preciso que nos ensinem a amar? A não
desdenhar dos sentimentos e sonhos de quem amamos? Talvez.
Somos seres imperfeitos demais para julgar a dor de
alguém que a expõe. Mas respeite quem tem a sua dor recolhida, também. Quem não
escandaliza os sentimentos. Existem bons motivos para que fiquem lá, num canto
aonde somente eu possa ter acesso.
Um pouco de justiça no seu argumento, e talvez consiga
entender que desconhece minhas mais profundas dores. Nem por isso farei disso o
lema de minha vida, pois quem sou hoje, não reflete a amargura que vivi. Decidi
que teria que ser doce com quem amo, como espero de quem amo, ou esperei. Teria
pavor de viver nesse mundo crendo que sou uma vítima.
Mas não pense que eu esqueci.
Luiza Versamore
“Frias vidraças dentro de mim,
Passa o inverno, mas não
passa, não
Essa geada em meu coração.”
Nara Leão
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